As cidades, onde vive a maior parte da população do planeta, compartilham um grande dilema: ao mesmo tempo em que são o centro do progresso, da tecnologia e do desenvolvimento, possuem problemas sociais e ambientais bastante sérios.
Segundo Vivian Blaso, mestre em Antropologia, e Responsabilidade Social na Construção Civil pela PUC SP; especialista em Gestão Responsável para Sustentabilidade, pela Fundação Dom Cabral, e diretora da Agência Conversa Sustentável, São Paulo é um exemplo disso, pois o modo de vida de seus habitantes e o crescimento da construção civil aumentam os impactos no meio ambiente e pioram a qualidade de vida de seus habitantes.
“O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo é um exemplo de como existem lacunas que necessitam ser preenchidas, pois basta olhar para a cidade, que ela nos mostra as questões relacionadas à mobilidade urbana, coleta de lixo domiciliar, enchentes, ocupações em áreas vulneráveis, entre outros problemas que fazem parte da agenda da cidade”, destaca Vivian. Leia, nesta entrevista, o que a especialista propõe para tornar a ocupação urbana e os empreendimentos mais amigáveis ao meio ambiente.
AEA – Quais as principais ações da cadeia produtiva da construção civil que podem contribuir para que o setor se torne mais sustentável?
Vivian Blaso – A primeira ação seria a escolha do terreno, que deve levar em consideração acesso a serviços de infraestrutura, permeabilidade do solo, entre outras possibilidades. As empresas de incorporação imobiliária são responsáveis por criar condições de infraestrutura, lazer, comércio, abrigo e conforto para a vida das pessoas nas metrópoles. Entretanto, alguns aspectos de sustentabilidade são deixados de lado em função de custos. A conseqüência desse tipo de ação é que a vizinhança do empreendimento recebe o maior impacto e, muitas vezes, este ele pode ser visto por qualquer um de nós.
AEA – Quais seriam essas conseqüências?
Vivian – Basta olhar ao nosso redor que iremos identificar, por exemplo, duas questões estratégicas para a qualidade de vida das pessoas: a mobilidade e a geração de lixo. Estes são talvez os dois impactos imediatos na cidade. E o como resolver isso? Buscando a integração da implantação destes empreendimentos com sistema de transporte coletivo da região. O setor não tem a responsabilidade direta neste tipo de ação, mas é um grande influenciador, pois quanto melhor o acesso aos serviços de infraestrutura de um empreendimento, mais valorizado ele será. Isso é já é praticado na implantação dos megaprojetos, que exigem um esforço conjunto entre as iniciativas pública e privada e as chamadas “Operações Urbanas”, na qual o poder público cria as condições para o setor privado conseguir as transformações pretendidas. Porém, é necessário ampliar o panorama, ter uma visão sistêmica e ampla voltada para aspectos de sustentabilidade e focadas no triple boton line (econômico, social e ambiental).
AEA – Como deve ser tratada a questão dos transportes?
Vivian – Como é um elemento delimitador de ocupação de espaços nas cidades a questão do uso do solo não deve ser tratado de maneira dissociada do planejamento do sistema de transporte público, que pode gerar aumento na circulação de veículos particulares, fator que vem contribuindo para piorar a qualidade de vida das pessoas nas metrópoles. Outra grande questão é privilegiar projetos considerem as questões relacionadas à economia de água, energia elétrica, além da escolha de materiais que gerem o menor impacto ambiental possível. Observar isso já seria um grande passo para melhorarmos a qualidade de vida nas cidades. Dessa maneira, contribuímos com a preservação de recursos tanto na fase de implantação dos empreendimentos, como a fase de manutenção e operação, pois é dentro dos edifícios que consumimos a maior parte de recursos naturais, tais como água e energia.
AEA – Quais os cuidados adotados no canteiro de obras para reduzir desperdícios, evitar a geração de entulho e diminuir as emissões de CO2?
Vivian – A separação de resíduos, o reaproveitamento de materiais, e escolha de fornecedores próximos ajuda a mitigar estes impactos. Para que isso aconteça, será necessário um grande esforço entre a construtora, fornecedores e equipe de implantação. Antes de implantar o canteiro é muito importante o alinhamento da construtora com seus fornecedores a fim de explicar as diretrizes de um canteiro mais sustentável. Nestes casos é fundamental trabalhar indicadores e avaliar resultados com objetivo de obter uma melhoria contínua nos processos, pois quanto mais eficiência, também é maior a lucratividade e a sustentabilidade da obra.
AEA – Como os projetos arquitetônicos podem tornar as edificações mais sustentáveis, tanto durante a fase de construção como na fase de uso e manutenção?
Vivian – O projeto é o momento de planejamento de um empreendimento. Assim, se o arquiteto teve a preocupação de levar em consideração os aspectos de sustentabilidade e tecnologias como, por exemplo, metais e bacias economizadores de água, aproveitamento de iluminação e ventilação natural, certamente o empreendimento irá gerar economia de recursos. Entretanto, para que isso aconteça será necessário também medidas para educação dos usuários sobre estes aspectos, pois não adianta ter tecnologia se ela não é utilizada de maneira adequada.
AEA – Quais seriam as características relacionadas a tipologias e sistemas construtivos a serem utilizados pelas construtoras a fim de reduzir os impactos ambientais?
Vivian – O mais importante é a incorporação de tecnologias que permitam as reduções de água e energia. Um edifício com certificação ambiental tem custos de construção entre 5% e 7% maiores que um convencional. Só que a economia gerada em termos de energia e água paga esse investimento em cerca de três anos. Em habitações de interesse social, a CDHU tem promovido melhoria do produto habitacional. O programa prevê novas tipologias, um terceiro dormitório, pé direito ampliado, o que proporciona maior circulação de ar e conforto termoacústico, além de revestimentos de pisos em todas as dependências, azulejos nas áreas de cozinha e banheiro, laje, cobertura para área de serviço, esquadrias de alumínio, muros divisórios, paisagismo e arborização. Assim, a sustentabilidade visa reduzir não só o impacto ambiental, mas também redução dos custos de manutenção e nas contas de água e energia dos usuários. Além de incorporar o desenho universal e acessibilidade, que prevê habitações utilizáveis por qualquer pessoa, independente da idade, mobilidade física ou qualquer outro tipo de limitação.
AEA – Quais as ações interessantes da Plataforma Cidades Sustentáveis, com práticas e experiências bem-sucedidas em todo o mundo?
Vivian – Sabemos que são muitos os programas e iniciativas em São Paulo em busca da sustentabilidade. Mas, existe uma fragmentação e desarticulação entre os atores nestes processos, como os governos, empresas fornecedoras da construção civil e empresas de desenvolvimento imobiliário, o que não conduz à sustentabilidade. Isso se deve ao fato de não pensarmos de maneira integrada. Aspectos como a educação, formação de redes de conhecimento, por exemplo, são estratégicos para a cultura da sustentabilidade. Os profissionais do setor da construção civil já sabem disso, mas será necessário integrar a multidimensionalidade e complexidade humana para a educação do futuro.