Em recente conversa com o arquiteto José Luiz Canal, responsável pela impecável execução da obra, foi confirmado algo que se deve esperar no Brasil e em qualquer lugar: o custo de construir bem não é necessariamente superior ao de construir mal.
A requalificação da zona portuária de Barcelona é um bom exemplo desse aspecto da qualidade, e que pode ser útil no momento em que o Brasil realiza grandes obras para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Considero bastante positiva a aposta que a cidade espanhola fez na planificada transformação estratégica e de qualidade daquela área da cidade. Todo o conceito de urbanismo que permeou sua transformação nasceu com o trabalho de Cerdá para a primeira expansão (Eixample) da cidade, onde a insistência na qualidade tem sido promovida e apoiada nas últimas décadas pela administração pública e a sociedade.
Tão inspiradora quanto o caso de Barcelona é a experiência do Cais Mauá, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que recupera para a cidade uma área pública de muita importância para a sua transformação, e que fará com que o centro entre em contato com o antigo cais e o rio Guaíba. É um caso de clássico de cidade onde o porto era o principal ativo, mas que, com o tempo, ficou sem uso efetivo. Estas zonas se deterioraram em função das mudanças sociais e econômicas que mudaram as matrizes de transportes ao logo dos anos. Porém, a capital gaúcha aproveita inteligentemente a circunstância de ser uma das sedes dos jogos da Copa do Mundo para potencializar a capacidade regeneradora de uma operação urbana.
Antiga zona portuária de Porto Alegre (RS), o Cais Mauá irá passar por uma profunda transformação. Com investimentos de R$ 450 milhões, em modelo de concessão por 25 anos, um consórcio privado venceu a licitação. A área, com 250 mil m2, e mais de 2,5 km de comprimento, equivalente à frente portuária, tem formato de uma língua, onde o projeto propõe o desenvolvimento de três grandes eixos. O empreendimento prevê a intervenção em três eixos. Num dos extremos, ao norte, na área das docas, serão construídas três torres modernas, com fachadas envidraçadas, de tipologia triangular, que abrigarão escritórios e um hotel. No outro extremo da grande faixa, ao sul, haverá um shopping horizontalizado, que se integrará à área do gasômetro, antiga central elétrica, já convertida em espaço cultural público multiuso, onde predominarão atividades comerciais e de lazer. Na parte central, serão recuperados oito galpões, construídos em 1920, desocupados há 30 anos. A intervenção deverá promover a integração do cais com o centro de Porto Alegre.
A reincorporação ao centro da cidade de um terreno, até então, inacessível para os cidadãos é o objetivo fundamental do projeto. A nossa proposta para a transformação do porto, juntamente com o grande arquiteto e urbanista brasileiro, Jaime Lerner, foi feita para uma concessão, pensando exclusivamente no interesse público, criando um pedaço de cidade para todos e refletindo acima de tudo sobre o futuro. Esperamos que a evidente priorização do interesse público, a profunda reflexão sobre a multiplicidade de atividades, o desenho dos novos edifícios e a proteção do patrimônio façam do Cais de Mauá uma nova referência de revitalização de frente portuária capaz de superar, se não em volume, ao menos em qualidade conceitual e arquitetônica ao não muito distante e bem-sucedido exemplo do Porto Madero, na Argentina.
Impressiona a alguém, como eu, que tenha trabalhado em muitos projetos similares na Espanha, onde com frequência as transformações políticas tornam impossíveis os projetos importantes, o quanto em Porto Alegre todos os órgãos públicos alinharam-se, independentemente da sua orientação político-partidária, para não perder uma oportunidade excepcional. Assim, em poucos meses deverão ser iniciadas obras de um projeto que recorda algumas das transformações de qualidade como o de Barcelona dos últimos anos, a começar pelo essencial apoio popular.