E chegamos à terceira geração de flats. A primeira ocorreu entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, quando houve a percepção pelo mercado imobiliário – incorporadores e imobiliá¬rias – de oportunidade para se vender apartamentos hoteleiros a compradores individuais e oferecia um produto híbrido, para atender tanto ao morador quanto ao hóspede, com apartamentos de cerca de 50 m2 de área útil e serviços hoteleiros. Este produto foi o responsável, como grande novidade, pela quebra de, fundamentalmente, dois paradigmas: para o setor hoteleiro, era a solução contra a dificuldade de financiamento para a construção de hotéis, após o fracasso dos planos de financiamento por meio da Embratur desde os anos 1960; e para o setor residencial, o conceito de padrão desligava-se da definição de tamanho – era possível morar com conforto e luxo em pequenas dimensões, com serviços hoteleiros e, desta forma, atender a um grande mercado de casais sem filhos e de solteiros que poderiam morar com a mesma qualidade de produtos e serviços de um quatro-dormitórios, dentro de suas necessidades. O sucesso deste conceito foi imediato, o mercado comprou a ideia e o produto, o que gerou uma grande superoferta de flats por todo o País.
Entretanto, com o maior desgaste dos equipamentos hoteleiros, em poucos anos eram necessárias intervenções de médio a grande porte para a renovação destes produtos, o que obrigava a investimentos por parte dos proprietários – investidores reunidos em pools de locação e residentes, indistintamente – gerando enorme conflito de interesses (para piorar a situação, em São Paulo, por exemplo, a propriedade das unidades nos edifícios de flats dividia-se, rigorosamente, ao meio, entre os residentes e os investidores, com interesses antagônicos, o que acirrava mais ainda os ânimos), mostrando ao mercado que este produto híbrido deveria ser aperfeiçoado.
Em outras regiões do Brasil estes conflitos não ocorreram, pois havia maioria de proprietários de um dos lados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o flat de primeira geração sempre foi uma ótima opção de moradia (tanto é que é chamado de apart-hotel por lá, indicando sua utilização), com poucos investidores no pool e raras e caras unidades disponíveis para a venda. Em Brasília, o antigo flat funciona muito bem como hotel, devido às suas características de projeto, em apartamentos de até dois cômodos, próprio ao viajante a trabalho de longa permanência. Seu valor imobiliário também é crescente, apesar do aumento de oferta hoteleira nos últimos anos.
Os problemas ocorridos na maior cidade do País, a superoferta de produtos no pool de locação – e, por consequência, a pequena atratividade do investimento nos mercados primário e, principalmente, secundário – inibiram os empreendedores e afugentaram os compradores, sendo responsáveis pelo desaparecimento de novos lançamentos de flats no mercado¬ ¬durante dez anos.
Plano Real e a segunda geração
A partir do Plano Real, a estabilidade econômica proporcionou o aumento do turismo de negócios e eventos no País, o que melhorou substancialmente o desempenho hoteleiro nas principais capitais brasileiras, indicando oportunidade para a construção de novos hotéis e, com os velhos problemas de falta ou dificuldade de se obter financiamentos para este fim, surgiram os flats de segunda geração, construídos a partir de 1996, cujos projetos atendiam individualmente a segmentos específicos: aos moradores o “residencial com serviços hoteleiros” de um, dois e até três dormitórios e, aos investidores, o “flat 100% no pool de locação” com apartamentos de dimensões que inibiam à moradia – em torno de 30 m2 de área útil – corrigindo-se, desta forma, o principal problema conceitual de produto ocorrido nos flats de primeira geração.
E a “corrida do ouro” ocorrida em meados de 1980, aconteceu em proporções ainda maiores no início dos anos 2000: a superoferta de empreendimentos construídos como flats, então puramente hoteleiros, em várias cidades do País, como São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras, o que não ocorreu no Rio de Janeiro, por exemplo.
Em São Paulo, 400 novos edifícios de flats, totalizando mais de 40 mil apartamentos foram construídos naquela geração, quadruplicando a oferta hoteleira do município; uma pequena crise econômica ocorreu naquele início de década, fato que dificultou ainda mais a absorção pelo mercado destes novos empreendimentos, sendo que o fundo do poço foi atingido em 2003, com a taxa de ocupação média anual dos hotéis paulistanos caindo a 26% e a diária média anual a um nível 70% inferior aos valores praticados na década anterior.
Vários dos antigos flats foram transformados em residenciais com serviços hoteleiros, alguns hotéis de regiões degradadas da cidade mudaram de uso ou fecharam, obrigando a uma seleção natural de nosso setor de hospedagem, o que obrigou à boa qualificação da oferta hoteleira paulistana, hoje formada por 42 mil apartamentos, sendo mais de 30 mil construí¬dos há cerca de 15 anos, a maioria pertencente à segunda geração de flats.
Oportunidades da terceira geração
Em 2006, a taxa de ocupação dos hotéis paulistanos já atingia mais de 60%, porém a diária média continuava baixa; em 2010 chegamos ao nosso limite superior até agora, com a diária média atingindo os valores históricos das melhores fases e a taxa de ocupação de segunda a quinta-feira aproximando-se de 100% e a média anual em torno de 70%, o que indica oportunidade para se construir novos hotéis.
A histórica dificuldade para obtenção de financiamentos para a construção de hotéis e a grande demanda por hotéis no País, com crescimento econômico, entrada de novas e grandes redes hoteleiras internacionais e fortalecimento das nacionais, o turismo de negócios e eventos ocorrendo de forma intensa nas principais capitais, a Copa 2014 e Olimpíada 2016, a grande possibilidade de sediarmos a Exposição Universal de 2020, a interiorização das empresas, o crescimento das cidades pequenas e médias com economia forte em agroindústria, mineração, petróleo, parques empresariais, industriais e de logística, portos e aeroportos, o insuficiente, amador e familiar parque hoteleiro espalhado pelo País, são convincentes fatores que induzem ao surgimento da terceira geração de flats, seguindo o modelo adotado na segunda geração, agora sob as denominações de condo-hotéis para os empreendimentos hoteleiros e apart-hotéis para os residenciais com serviços hoteleiros.
E há dezenas de projetos, especialmente nas maiores capitais brasileiras, sendo planejados para serem lançados a investidores individuais, por meio de incorporação imobiliária ou de fundos imobiliários, com o flat, ou condo-hotel devendo continuar a desempenhar um papel importante na formação do parque hoteleiro brasileiro, pelo menos até que fontes de financiamento mais adequadas sejam viabilizadas no País.
Com isso, o Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo), por meio do seu Núcleo Hoteleiro e Imobiliário-Turístico e da Diretoria de Flats, em parceria com a ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) e FOHB (Fórum das Operadoras Hoteleiras Brasileiras), com o objetivo de evitar grande parte dos problemas ocorridos nas gerações anteriores – seja em aspectos jurídicos, seja em detalhes técnicos, mercadológicos e de definição de produtos – oferecerá aos mercados imobiliário e hoteleiro, no início do segundo semestre, o Manual de Regulação e Melhores Práticas de Hotéis de Investidores Pulverizados, sugerindo normas de conduta e orientação a todos participantes deste processo: incorporadores, redes hoteleiras, consultores hoteleiros, imobiliárias e investidores.