Orçar com exatidão é uma tarefa quase irrealizável, devido a uma série de fatores como a flutuação dos preços de insumos, metodologia inadequada, não-aferição de produtividade e perdas e erros de cálculos. Mas é possível elaborar um orçamento com o máximo de precisão possível, desde que os métodos de cálculo sejam utilizados de forma eficaz.
É nisso que acredita o engenheiro Aldo Dórea Mattos, autor do livro “Como Preparar Orçamentos de Obras”, recémlançado pela Editora PINI. Segundo Mattos, a idéia do livro é jogar luz sobre todos os passos da orçamentação, chamando a atenção do profissional para detalhes importantes e alertando-o para erros comumente praticados.
O autor dedica também dois capítulos ao incompreendido processo de composição de custos de terraplenagem, importante para quem orça obras de terra. Em entrevista, Mattos fala sobre os erros que começam de um projeto malelaborado e vão até o cálculo do preço de venda.
O autor é consultor, professor e já trabalhou no setor público e privado, tendo participado de grandes obras no Brasil, Estados Unidos, África do Sul, Moçambique e Peru pela Construtora Norberto Odebrecht.
AEA – Por quer elaborar orçamentos ainda é um processo tão complexo para as construtoras?
Aldo Dorea Mattos – Esse sempre foi um ponto fraco nas construtoras. Orça-se com grande empirismo, com exacerbada dose de sentimento e pouca ciência. O problema vem da base, pois poucos estudam a teoria orçamentária. Além disso, há sempre um clima de urgência e os prazos para preparar propostas são exíguos. Com isso, fica difícil fazer um orçamento perfeito.
AEA – É possível gerar orçamentos exatos ou isso ainda é uma ficção na engenharia?
Aldo – Na física, há uma diferença entre exatidão e precisão. Exatidão é acertar e precisão é chegar muito perto do acerto. O que se quer com um orçamento não é acertar o custo da obra nos centavos, mas prever um valor que esteja dentro de uma pequena e aceitável margem de erro. Quanto maiores o conhecimento e o domínio das variáveis, mais preciso será o orçamento.
AEA – De que forma evitar falhas na composição do custo, já que nem sempre os projetos contêm todas as informações necessárias?
Aldo – Um antigo engenheiro dizia que obra sem projeto não tem preço nem prazo. É a coisamais certa. Quando uma empresa ou até mesmo um profissional autônomo se dispõe a fazer uma obra para um cliente sem conhecer o escopo dos serviços em sua totalidade, está assumindo um grande risco. Mudanças de projeto, alterações de especificações, inclusões de novos detalhes ou o simples detalhamento de uma área que originalmente aparecia como um retângulo “a definir” causam desgaste entre contratante e contratado. Isso precisa ser evitado. A melhor coisa é orçar um projeto pronto, ou então definir o que será o escopo do orçamento e acertar os acréscimos posteriormente.
AEA – Quais etapas um orçamento deve compor?
Aldo – A seqüência é intuitiva. Primeiro deve-se identificar os serviços da obra e levantar seus quantitativos. É importante que essa parte seja casada com a leitura dos projetos e das especificações técnicas, onde há definições qualitativas importantes. De posse da planilha de serviços, passa-se a compor o custo unitário de cada serviço. O custo direto total será o produto dos quantitativos pelo respectivo custo unitário. Em seguida, monta-se o custo indireto da obra, que são os custos administrativos, das equipes de suporte e gerencial e as despesas correntes do canteiro. Por fim, sobre o custo direto mais indireto, incidem os percentuais de impostos e lucratividade – que devem ser aplicados juntos, chegando-se ao preço de venda.
AEA – Durante a execução da obra, quais são os elementos mais passíveis de imprevistos? Dá para diminuir ou eliminar as causas geradoras de prejuízos orçamentários?
Aldo – Ao se definir uma produtividade para um serviço, essa premissa já traz certo grau de aproximação, porque ninguém pode garantir que a tal produtividade vá ser alcançada no campo. Esse já é um parâmetro de imprevisibilidade. O mesmo se dá com os preços dos insumos, que podem sofrer flutuação. Também o percentual estabelecido deencargos sociais é passível de erro, pois se baseia em estimativas. Se, no entanto, a construtora tiver estudos próprios de produtividade, fizer a apropriação de índices no campo, monitorar os encargos sociais e trabalhar com fornecedores confiáveis, maior a segurança que terá ao orçar.
AEA – Quais os principais erros na elaboração das composições de custos?
Aldo – Um erro comum é não saber avaliar que produtividade usar nas composições de custo. É intuitivo perceber que a produtividade de um pedreiro que vai fazer 100 muros de 2 m é menor do que a que o mesmo pedreiro atingiria fazendo um muro de 200 m. Ainda que a metragem seja igual, no segundo caso ele vai ter menos interrupção,menos mudanças de ambiente e menos reinícios. Outro erro comum é querer orçar com baixo percentual de encargos sociais. Quem quer construir certo, tem que orçar conforme vai proceder. De nada adianta querer atribuir encargos inexeqüíveis se depois terá que pagá-los na obra.
AEA – E os erros no cálculo do preço de venda?
Aldo – O erro mais grosseiro é na aplicação dos impostos e o lucro. Não é um erro de premissa, como os demais, mas um erro de matemática. Se o custo direto mais indireto da obra chegou a 100, os impostos são de 10% sobre o faturamento e a lucratividadealmejada é de 10% do contrato. Está errado calcular os 20% sobre os 100 e fechar o preço de venda em 120. É só parar para pensar: procedendo assim, os impostos e os lucros foram calculados em cima do custo, quando deveriam ter sido computados a partir do preço de venda. Ora, para calcular corretamente, é preciso então fazer a seguinte conta: o preço final é 100 dividido por (1-0,20), ou seja 100/0,80 = 125.
Com esse valor, sim, os impostos serão 12,5, o lucro será 12,5 e haverá os 100 requeridos para fazer a obra. É impressionante como até empresas tradicionais
incorrem nesse erro pueril.
AEA – Integração entre o departamento de orçamento e o canteiro de obras, bem como o uso de ferramentas de trabalho como softwares e comunicação via internet fazem, de fato, parte do dia-a-dia dos engenheiros de custos?
Aldo – Não é a regra. Vemos sempre uma separação entre escritório e campo. É preciso que quem orçou vá ao campo visitar a obra, trave contato com o dia-a-dia da produção e cobre do pessoal da obra uma retroalimentação sobre os índices que usou, como produtividades e perdas. Se não houver essa interação, o orçamentista não saberá se orçou bem e continuará usando parâmetros equivocados em outros orçamentos. Lamentavelmente, o costume é de se louvar a equipe da obra quando o contrato deu lucro e culpar o orçamentista quando deu prejuízo. O melhor é apropriar dados de campo e detectar onde estava a falha.
AEA – Mas a apropriação dos índices em obra deve ser um atributo do orçamentista?
Aldo – O orçamentista deve cobrar da obra que os índices sejam apropriados. Apropriar quer dizer aferir, tornar conhecido. Na obra, deve ser uma atribuição do gerente. Não é preciso apropriar todos os serviços, apenas os mais significativos, é aí que entra a Curva ABC de Serviços para apontar quais são esses serviços. Um apontador criterioso pode muito bem preencher as planilhas: basta anotar quantas horas de pedreiro de alvenaria foram pagas naquela semana ou naquele mês e comparar com a quantidade executada no período. Ao dividir horas por área, tem-se o índice para comparação com o índice adotado no orçamento. Se estiver muito discrepante, dá tempo de tomar providências.
AEA – Quais os itens mais problemáticos no cálculo do BDI (Benefícios e Despesas Indiretas)?
Aldo – Os problemas com BDI advêm do desconhecimento do que ele significa. Para muita gente, é uma caixa-preta onde cabe tudo. O BDI é o mal necessário para que a planilha de preços, que só traz a relação dos serviços de campo, possa incluir os custos indiretos, impostos e lucro. O BDI é a diluição que se faz desses custos sobre os itens existentes da planilha. Assim, por exemplo, se o custo dos serviços da tabelaé 100, o indireto é 15, os impostos 8 e o lucro 10, o preço total é 133. Todavia, como não há item na tabela para as despesas indiretas, impostos e lucro, a soluçãoé diluir os 33 sobre os 100 da tabela: o multiplicador é 1,33, ou seja, um BDI de 33%.
AEA – Pode-se desonerar o BDI?
Aldo – Sim, é só pensar conceitualmente. Se o BDI é a diluição do que não consta na planilha da obra, quanto mais detalhada a planilha, menor o BDI. Se a planilha, por exemplo, contiver itens como placa da obra, tapume e carro da fiscalização, eles não entrarão mais no BDI, pois terão migrado para a família dos serviços explicitados na planilha. O preço total da obra continua sendo o mesmo, mas o BDI diminuiu.
AEA – Como evitar que o BDI seja causa de conflito com o contratante?
Aldo – O BDI precisa ser informado pela empresa contratada durante a licitação ou negociação do contrato. É a melhor forma de haver um critério prévio. O BDI não é elástico nem infinito, como acham muitos contratantes. Se a obra se atrasa por motivo imputável ao contratante, como acontece em obras públicas que apresentam problemas deprojeto ou desapropriação, não é certo que a construtora arque com o ônus sozinha.Se seu BDI cresce, ela deve reivindicar reajuste. Se vai receber, é outra história.
O BDI serve também para estipulação do preço dos serviços novos? No caso de serviços novos no contrato, coisa bem comum, a forma correta de definir o preço é orçar o custo direto e aplicar sobre ele o BDI previamente acordado. Dessa forma reduz-se muito o nível de conflito.